21 de setembro é o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. A data, instituída em 14 de julho de 2005, pela Lei Nº 11.133, na verdade, começou a ser lembrada em 1982, por iniciativa de movimentos sociais. Essa data foi escolhida porque é próxima ao início da Primavera (23 de setembro) e coincide com o Dia da Árvore, datas que representam o renascer das plantas, que simbolizam o sentimento de renovação das reivindicações em prol da cidadania, inclusão e participação plena na sociedade. A luta também é lembrada em 3 de dezembro, no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência.
Diante de todas barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência, elas ainda precisam lidar com o capacitismo, que é a discriminação e subestimação da capacidade e aptidão de pessoas em virtude de suas deficiências. O termo é pautado na construção social de um corpo padrão perfeito, denominado como ‘normal’.
Muito presente no mercado de trabalho, o capacitismo leva alguns deficientes a procurarem a oportunidade na área pública. Atualmente, o Instituto Federal Catarinense (IFC) possui 13 servidores ativos com algum tipo de deficiência. Entre eles, estão Carolina Beiro da Silveira, Fernando Bachmann, Luana Tillmann, Marco Antonio Gava e Tiago Moda.
Psicóloga no Campus Araquari, desde janeiro de 2015, Carolina Beiro da Silveira é cadeirante e possui paralisia cerebral, com triplagia. Ela revela que, sempre ao enviar para as empresas o seu currículo com o símbolo da pessoa com deficiência, os entrevistadores diziam que ela era muito capacitada para a vaga. “Quando eu enviava o currículo sem a logo, era chamada para a entrevista, mas quando viam que eu era cadeirante, diziam que a vaga não era para pessoa com deficiência. Neste caso, não tem solução, porque é preconceito puro”, relembra.
Ao chegar no IFC, a servidora também enfrentou alguns problemas. Entretanto, afirma que não os considera capacitismo, mas falta de acessibilidade, e o caso foi tratado da melhor forma possível. “Ingressei no IFC pela vaga de ampla concorrência. Quando me apresentei para tomar posse do cargo, infelizmente não havia acessibilidade para eu poder me movimentar no campus. Prontamente, o Otávio, meu coordenador na época, pediu-me para trabalhar em home office por 30 dias. Neste período, passou todas as orientações e treinamentos, e fez as reformas necessárias para o ambiente ficar acessível. A partir daí, sempre que fazem alguma reforma, ou construção, sou consultada sobre os aspectos de acessibilidade”, conta Silveira.
Ao longo desses anos, outras situações também surgiram, mas foram solucionadas. “É difícil lidar com preconceito, mas sempre lutei pelo direito das pessoas com deficiência e continuo lutando. Temos que sempre compreender, independentemente de o servidor ser pessoa com deficiência ou não, que todos temos limitações em alguns aspectos. Praticar a empatia, tratar a todos com respeito e combater o preconceito de qualquer forma é a melhor maneira de manter uma convivência harmoniosa em qualquer ambiente”, reforça a psicóloga.
Marco Antonio Gava, assistente administrativo no Campus Concórdia, está há 9 anos no IFC. Com deficiência auditiva bilateral, Gava conta que algumas vezes também precisou lidar com situações de discriminação devido à sua condição. “Nessas horas, sempre procuro manter respeito nas respostas, mantendo minha autoestima. Enquanto instituição, podemos combater o capacitismo simplesmente mostrando às pessoas que todos são seres humanos e precisam de respeito”, aponta.
Muito atuante na luta pelos direitos das pessoas com deficiência, a professora no Campus Santa Rosa do Sul desde maio de 2017, Luana Tillmann é cega e está sempre acompanhada do Mambo, cão-guia formado no Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia no IFC Campus Camboriú.
Luana expõe que diretamente nunca sofreu uma situação de exclusão total, mas pequenos discursos e atitudes carregam a perspectiva capacitista, na medida em que, no imaginário social, a pessoa com deficiência não possui o nível ideal de capacidade. “O capacitismo é algo estrutural na sociedade, especialmente frente ao modo de produção capitalista, uma vez que se materializa através de atitudes preconceituosas que hierarquizam sujeitos como funcionais ou não, produtivos ou não, tendo por base a corponormatividade. Ou seja, o capacitismo é a forma de discriminação para com as pessoas com deficiência em decorrência do fato de que os corpos com impedimentos, lesões, não se adéquam a um ideal de beleza e capacidade, ao padrão de normalidade. Sendo assim, vivenciamos cotidianamente situações capacitistas, às vezes de um modo explícito, por exemplo no enfrentamento de barreiras arquitetônicas, tecnológicas e de acesso à comunicação e à informação, em razão da falta de acessibilidade. Porém, por vezes o capacitismo está velado, implícito em atitudes, comportamentos e discursos que super ou subestimam as pessoas com deficiência, o que também chamamos de barreiras atitudinais”, enfatiza.
Segundo Tillmann, a melhor forma para lidar com essas situações é a participação em espaços de representatividade, a fim de dar visibilidade para servidores com deficiência e questões relacionadas à deficiência e à acessibilidade, assim como o convívio constante com os colegas servidores que não experienciam a deficiência, apontando quais são suas necessidades. “Quando não dispomos de acessibilidade, sempre tenho estratégias particulares que objetivam minimizar as barreiras quando as enfrento. No dia em que estivermos em uma sociedade sem capacitismo, sem dúvida já teremos superado a divisão social de classes e a dominação e apropriação das forças produtivas. Mas, enquanto isso, precisamos oferecer para a nossa comunidade do IFC espaços de diálogo e de reflexão sobre a produção social das diferenças. É fundamental trazermos para as pautas institucionais a disseminação da perspectiva do modelo social da deficiência, entendendo que a deficiência é a soma da lesão, do impedimento, que uma determinada pessoa possui em seu corpo, no meu caso a cegueira, com o enfrentamento das barreiras e formas de opressão sociais. O meu nível de participação está diretamente relacionado com o nível de acessibilidade que eu possuo. Para isso, o convívio e a discussão crítica são os melhores caminhos”, argumenta a professora.
“Creio que, enquanto instituição, devemos investir mais em palestras, treinamentos e capacitações desenvolvendo as diversidades e questões envolvidas dentro da ‘causa geral das pessoas com deficiência’, buscando sempre a maior naturalidade possível dentro da diversidade humana e lutando de forma verdadeira e constante por uma educação verdadeiramente inclusiva”, concorda Fernando Bachmann, assistente em Administração no Campus Blumenau desde junho de 2014.
Bachmann possui dificuldades motoras nos membros inferiores e aponta que nunca teve problemas ligados ao capacitismo, dentro ou fora do IFC, que não siga uma ‘normalidade cotidiana’ para pessoas com deficiência. “Considero, de acordo com meus anos de caminhada, que apesar de muito lentas, as mudanças nas questões que envolvem as pessoas com deficiência são inevitáveis e são caminhos sem volta. No tocante ao capacitismo tão falado atualmente, digo que o enfrentamos todos os dias de alguma forma e está fortemente ligado a uma desinformação das pessoas ditas ‘normais’ para com as pessoas com deficiência. Esta desinformação ocorre também devido a uma questão de invisibilidade ainda muito forte, que envolve as pessoas com deficiência, ligada às questões de acessibilidade das cidades e ambientes, transporte público, mercado de trabalho, paradigmas gerais e crenças pessoais que contribuem para tornar estas pessoas ainda não muito visíveis em nosso meio de forma geral. Assim, acredito que cabe a nós, pessoas com deficiência, também desempenhar um papel de informar as pessoas de nossas realidades e vivências. E isto deve ser feito com educação e tolerância, buscando a maior naturalidade possível, e tornando, assim, o mundo mais acessível e a sociedade mais inclusiva para todos”, defende.
Atualmente lotado na Reitoria, Tiago Moda é professor no Campus Brusque há 4 anos. Com paraplegia, Moda é cadeirante e afirma não ter sofrido diretamente com o capacitismo em relação aos colegas no ambiente de trabalho, dentro ou fora do IFC. Mas sentiu o capacitismo em lugares onde estudou, com a falta de condições necessárias de acessibilidade – situações que foram resolvidas após diálogo sobre suas necessidades.
“Historicamente o capacitismo é uma condição estrutural no nosso país, mas, com a evolução das leis, através da luta da sociedade civil organizada, e do entendimento por parte da sociedade brasileira sobre as necessidades das pessoas com deficiência, muitas barreiras estão sendo vencidas. Acredito que o fundamental para combater o capacitismo em locais de trabalho é existir uma relação transparente entre os interlocutores, na qual a pessoa com deficiência tem que falar e ser ouvida sobre suas necessidades. Já os outros atores no ambiente de trabalho têm que expressar de forma natural suas dúvidas e curiosidades sobre a pessoa com deficiência, assim como se relacionam com os colegas de trabalho não deficientes. Afinal, ter dúvidas e curiosidades é algo natural. Dessa forma, pode-se construir uma relação profissional sólida, em que ambas as partes se sentem à vontade para se expressar. E, no momento em que houver uma necessidade específica por parte do colega deficiente, o capacitismo e as barreiras atitudinais já terão se esvaído com o tempo, dando lugar à relação transparente que é tão necessária para compreensão das condições que podem permear uma pessoa que tenha deficiência”, expressa Moda.
Papel do IFC
Diante dessas e diversas outras situações, a gestão do IFC busca alternativas no combate ao capacitismo. Além das questões obrigatórias por Lei, como a organização dos espaços com acessibilidade, oferta de vagas para pessoa com deficiência em concursos e cursos ofertados, a instituição esforça-se para atender todas os casos.
De acordo com a reitora do IFC, Sônia Regina de Souza Fernandes, na dimensão estrutural técnica arquitetônica, no âmbito da instituição, a gestão busca reorganizar os ambientes para que as pessoas possam ter sua autonomia ao se deslocarem pelos espaços institucionais. “Essa acessibilidade arquitetônica é um grande desafio, especialmente nos campi preexistentes, de origem agrícola, pois há neles um espaço muito grande entre os blocos que não foram previstos considerando-se a acessibilidade. Então, desde 2016, a partir de um diagnóstico dessas necessidades, estamos buscando recursos para que nós possamos ter, do ponto de vista arquitetônico, acessibilidade para nossos servidores e, consequentemente, para os estudantes e a comunidade em geral que procurar por nossos serviços. Também existe a preocupação na compra de mobília adequada, a priorização de salas no térreo para melhor locomoção, a instalação de rampas elevatórias onde não há rampa física para que as pessoas tenham a autonomia no deslocamento. Ainda, a produção de placas de identificação em Braille e em Libras. Tenho como expectativa de que em breve se resolvam tais demandas, porque são ações que vão ao encontro da perspectiva do respeito à pessoa com deficiência. Claro que nós temos campus que, devido à localização, o servidor não consegue se deslocar usando transporte público, por exemplo, como ocorre em Abelardo Luz, Rio do Sul e Santa Rosa do Sul. Então temos o desafio interno e também externo nas condições de chegarem ao local de trabalho”, apresenta Fernandes.
“Já o que transcende essa dimensão burocrática, vindo para a visão humanizadora, destaco no IFC o trabalho da Direção de Gestão de Pessoas (DGP), um trabalho multidisciplinar que, desde o processo de nomeação, busca entender quais são as necessidades reais desses servidores para poder articular, junto aos campi e à Reitoria, sobre as adequações necessárias. Do mesmo modo, temos servidores com cargos específicos para ajudar nesse processo de acolhimento até o desenvolvimento do trabalho para que eles consigam desenvolver as atribuições. Além do trabalho do Napne, na Pró-Reitoria de Ensino, núcleo composto por uma equipe multidisciplinar, que tem essa tarefa de acompanhar o servidor, verificar possíveis adequações no seu espaço de trabalho. Destaco então a importância destas equipes multidisciplinares, especialmente em estabelecer os vínculos entre a chegada desse servidor com seus respectivos locais de trabalho, para que haja a devida orientação e condução da melhor forma”, evidencia a reitora.
“Tenho plena consciência de que nós precisamos avançar nessas dimensões no âmbito do IFC. Com a convivência com os colegas de trabalho que tenham uma ou outra deficiência, a gente consegue também viver um processo de alteridade, tentar se colocar no lugar do outro e aprender. No campo pessoal, como servidora e professora, uma das melhores experiências que tive foi quando chegou um professor surdo no Campus Camboriú e compartilhamos espaço na mesma sala de trabalho. Deparei-me então com o desafio da comunicação, do entendimento, de trabalhar em conjunto, de entender a perspectiva da pessoa não ouvinte. Enfim, de sair da nossa zona de conforto e conviver com a diferença. Eu acho que esse é um espaço muito rico e muito formativo. Do mesmo modo, na condição de professora no mestrado ProfEPT, no nosso polo no Campus Blumenau, estou tendo a experiência na orientação de duas mestrandas cegas. Não havia tido essa experiência como professora nos meus 30 anos de magistério. Isso também me fez buscar compreender como é orientar pessoas não videntes. O primeiro ponto de partida foi aprender com elas, ouvir delas, pois os processos de aprendizagem também são diferentes. Isso fez com que eu aprendesse com elas ao ouvir, sentar ao lado, mexer junto, por exemplo, em um computador, ver como elas leem ouvindo um livro por meio de uma voz sintética. E eu leio com os olhos, não preciso que outra voz leia pra mim. Então, este movimento de alteridade foi realmente muito rico e gratificante”, manifesta Fernandes.
Legislação
Para evitar a exclusão, nada melhor que a informação. Acesse aqui o site do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e conheça algumas das principais leis brasileiras que tratam sobre os direitos das pessoas com deficiência.
Texto: Cecom/Reitoria/Rosiane Magalhães
Fotos: arquivos pessoais